“Há 20 anos ela está entre nós. Chega
no formato de dança pelas ondas da TV em 1983, deixando muitos
adolescentes impressionados pelas performances que se fundiam nos
movimentos de mímica, passando por uma espécie de
simulação de golpes marciais e gestos robóticos
que se completam com acrobacias similares a capoeira. Não
demora muito e logo esta febre é substituída pelo
que conhecemos como funk carioca. Mas, em outros estados, como é
o caso de São Paulo, ela resiste e assume um papel especial
na vida dos jovens das periferias, se fortalecendo e se materializando
em mais três elementos: música (rap), arte plástica
(graffiti) e a figura do dj. Em 1992, o Rio de Janeiro reage –
só que agora em número sumário de adeptos –
e, ao contrário de antes, a apresenta através do discurso
geopolítico de jovens do subúrbio que vêem nela
uma forma de cantar os sentimentos e indignações,
contra uma sociedade discriminatória. Nomes como Consciência
Urbana (aonde o rapper e ator Big Richard – Turma do Gueto
– era líder), NAT, Poesia Sobre Ruínas, RRR,
Damas do Rap, Filhos do Gueto, Gabriel, O Pensador e Geração
Futuro (cujo MV Bill era líder), colaboram para a popularização,
não apenas do nome, como também do seu conceito, representando
uma entidade existente até os dias de hoje: a ATCON (Associação
Atitude Consciente).
Neste caso, cabe ressaltar que o próprio rapper Marcelo
D2, antes mesmo de formar o Planet Hemp, volta e meia nos visitava,
já que as nossas reuniões ocorriam todos os sábados
no CEAP (Centro de Articulação às Populações
Marginalizadas), na Rua da Lapa (centro), sendo a sua barraca
de camelô no Largo da Carioca...
Particularmente, me sinto orgulhoso por fazer parte desta safra,
que, incompreendidos por muitos da imprensa, política e
até mesmo do seu próprio meio étnico-cultural,
mantinham viva a chama da nossa cultura. Mas qual o nome deste
movimento? Todos o conhecem como “cultura hip-hop”.
Desde o seu nascimento nas ruas do bairro do Bronx (NY), em 1974,
tendo como padrinhos os djs Afrika Bambaataa, Grand “Master”
Flash e o jamaicano Kool Herc, o hip-hop desnudou-se da sua guetificação
e fez morada em todos os lugares do planeta, mostrando às
gerações em busca de sua afirmação
social, através desta proposta de vida. Da música
à dança, do vestuário ao comportamento e
da linguagem a indústria, o hip-hop formou artistas, adéptos
e empresários.
Enquanto que o restante do universo se rende ao hip-hop, parece
que muitos em todo o mundo, ainda não entenderam a natureza
desta cultura, que, há muito tem nos influenciado, tanto
direto, quanto indiretamente no nosso modo de vida. No Rio de
Janeiro, isto não acontece de modo adverso. Esta efervescência
de festas e eventos, que, à todo momento eclodem em nossa
cidade, tem conotado um hip-hop, que igualmente ao funk, podemos
chama-lo de “pseudo hip-hop”. Todos querem se apropriar
deste movimento cultural e não fazem a idéia do
que estão lidando, preferindo importar um outro hip-hop,
sem dar a importância devida a cultura hip-hop nacional.
Porquê será? Alguns djs, verdadeiros profissionais
da noite carioca tendem em dizer que a nossa música é
pobre, só fala de violência, preconceito racial e
pobreza, e não apresentam nenhuma versão voltada
para as pistas. Não sei porque, mas esta mesma justificativa
é também sustentada por alguns organizadores do
entretenimento do subúrbio, que, de alguma forma, tendem
em conflitar e reivindicar assim a sua posição,
alegando sua posse sobre algo, que, à grosso modo, é
pessimamente apresentado por estes . Cabe lembrar à estes,
que, existe muito material nacional qualificado a se pesquisar
para as pistas, a altura do produto internacional. É, acho
que nascemos no país errado, pois todos têm medo
do seu próprio idioma...! Já que estes têm
tantas opiniões formais sobre o hip-hop, poderiam me esclarecer
sobre a ausência das “mix tapes”? Foram estas
que nos EUA fizeram o som inaudível do gueto se tornarem
hits das pistas!
Há também aquele braço “pseudo religioso”
do hip-hop nacional, que mais parece um cabedal de contradições,
do que uma articulação séria e centrada nas
bases do movimento, que, sem o menor tino para negociações,
prefere atear fogo em Roma, sem antes sequer apurar os acontecimentos,
anulando assim um futuro saudável para a nossa cultura.
Devido a falta de conhecimento a respeito pela cultura hip-hop,
muitos de nossos jovens, cometem o erro em pensar que, atividades
como a dependência de drogas em geral, portar armas ou freqüentar
boates de nudismo, são hip-hop. O hip-hop tem sido retratado
negativamente por muitos artistas que fazem rap. Esta negatividade
é normalmente instigada e promovida pela indústria
de disco e várias outras entidades, que exploram nossa
cultura à custa do estado de consciência da juventude
e da moralidade. Sendo assim, a “Universal Zulu Nation”,
criada por Afrika Bambaataa e legitimada como a primeira entidade
de hip-hop do mundo, nos ensina que há uma diferença
entre manifestar-se livremente a respeito da negatividade (ativismo)
e promover isto como desejável estilo de vida. Expressões
como “gangstas, pimps, husthers, niggas, spics e playas”,
entre outras palavras, que, uma vez foram utilizadas nos EUA contra
o crescimento do verdadeiro hip-hop, hoje fazem parte do nosso
vocabulário diário em todos os cantos do planeta,
inclusive aqui.
Desde a década de 80 até hoje, a indústria
do rap e a mídia têm ajudado a fazer do “hip-hop”
e do “rap” sinônimos, omitindo os outros elementos
que fazem parte da cultura. Devido esta enorme omissão,
a Zulu Nation promoveu o “5o elemento” do hip-hop:
o “Conhecimento”. Baseado neste conceito, Bambaataa
declara:
“Quando
nós criamos o hip-hop, o fizemos esperando que seria sobre
a paz, amor, união e diversão e que as pessoas se
afastariam da negatividade que estava contaminando nossas ruas
(violência de gangues, tráfico de drogas, complexos
de inferioridade, conflitos entre afro-descendentes e latinos).
Embora esta negatividade ainda aconteça aqui e ali, a medida
que a cultura cresce, nós desempenhamos um grande papel
na resolução de conflitos e no cumprimento da positividade”
O objetivo desta coluna é dar uma visibilidade coesa não
apenas acerca da nossa cultura (hip-hop), como também outras
ramificações da cultura negra – especialmente
a black music – proporcionando aos internautas, independente
do seu credo, cor, raça e estado social, sua inclusão
dentro de um universo, que desde o inicio de sua existência,
tem transformado positivamente o comportamento daqueles que o
escolheram como filosofia de vida! Portanto, a partir das próximas
edições, você aprenderá um pouco a
cerca dos elementos do hip-hop na série “Hip-hop:
Muito se fala, pouco se conhece e o quê se faz...?”,
a fim de que opiniões e pensamentos precipitados sobre
nosso movimento, venham a ser substituídos por um engajamento
favorável e planejado...
A
colona e-Black está apenas começando! Seja bem vindo!